Por Calebe Antonio, administrador, partner e banker da Patagônia Capital
Por décadas, o consórcio foi visto apenas como uma alternativa para quem não conseguia acesso ao crédito tradicional. Hoje, esse modelo de autofinanciamento se transformou em uma sofisticada ferramenta de alavancagem patrimonial e planejamento estratégico, tanto para investidores quanto para famílias que buscam estruturação financeira e eficiência jurídica.
A evolução jurídica de um sistema que ganhou maturidade
Criado em 1967, o Sistema de Consórcios surgiu para atender à crescente demanda por veículos no Brasil, em um contexto de crédito escasso. No mesmo ano, foi fundada a ABAC (Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios), com o objetivo de organizar e representar o setor.
Com o tempo, o consórcio conquistou respaldo jurídico e institucional. Em 1991, o Banco Central do Brasil assumiu sua supervisão e, em 2008, a Lei nº 11.795 trouxe regras claras e segurança jurídica, transformando o consórcio em um instrumento mais robusto e confiável.
De ferramenta popular a estrutura de investimento sofisticada
Se antes o consórcio era voltado principalmente para consumidores de renda média e baixa, hoje ele atrai cada vez mais investidores qualificados. Três fatores explicam essa mudança:
– A volatilidade das taxas de juros (como a Selic);
– O alto custo e as restrições do crédito bancário;
– A busca por alternativas de diversificação e eficiência na alocação de capital.
O mercado secundário: um novo horizonte para cartas de crédito
O mercado de cartas contempladas – aquelas já sorteadas ou com lance vencedor – se fortaleceu e hoje oferece liquidez e oportunidades de arbitragem para investidores atentos.
Exemplo prático:
Um investidor com R$ 1 milhão disponíveis adquire, por R$ 400 mil, uma carta de crédito contemplada de R$ 1 milhão para comprar um imóvel abaixo do preço de mercado. Os R$ 600 mil restantes são aplicados com rentabilidade próxima (ou até superior) ao valor da parcela do consórcio. O resultado é alavancagem patrimonial com custo de capital reduzido e preservação de liquidez.
Arbitragem: rentabilidade e ganhos em cenários estratégicos
A compra de cartas contempladas com deságio permite operações lucrativas, especialmente em situações como:
– Compra de imóveis com preço abaixo do mercado;
– Utilização do capital preservado em aplicações com alta rentabilidade;
– Venda da cota contemplada com lucro superior ao CDI do período, especialmente se a contemplação ocorreu via lance com capital de terceiros.
Para quem vende, também há ganhos consideráveis ao somar as parcelas pagas ao valor do lance recebido, o que pode superar, com folga, o retorno de investimentos tradicionais.
Consórcio e planejamento patrimonial: uma dupla de alta performance
No planejamento patrimonial, o consórcio pode ser um aliado estratégico, sobretudo em estruturas familiares e holdings. Entre as possibilidades, destacam-se:
– Aquisição de cotas em nome de pessoa física, com posterior transferência à holding;
– Consolidação de bens sob uma estrutura jurídica mais eficiente para fins sucessórios e de gestão;
– Uso de cartas de crédito como base para reestruturações patrimoniais, sem a necessidade de liquidação dos ativos originais.
Imagine transferir imóveis da pessoa física para uma holding sem a venda direta dos bens, apenas com o uso inteligente de uma carta de crédito. Isso viabiliza reorganizações patrimoniais sem comprometer o valor dos ativos e ainda gera liquidez imediata.
Um novo olhar sobre o consórcio
O consórcio deixou de ser uma simples alternativa de financiamento coletivo para se tornar uma ferramenta híbrida, que une as vantagens do crédito estruturado à lógica de investimento patrimonial.
Num cenário em que o crédito bancário segue seletivo e o investidor precisa preservar caixa sem abrir mão da rentabilidade, o consórcio surge como uma opção segura, flexível e cada vez mais estratégica.